Sunday, February 21, 2010

Reflexões sobre a Nudez masculina

Em termos visuais, talvez a marca mais evidente do machismo seja exposição do corpo da mulher. Em revistas, páginas de jornal ou mesmo na televisão, em qualquer horário e para qualquer público, a nudez feminina, nos últimos anos, sofreu um forte processo de banalização, atendendo aos apelos eróticos dos machos consumidores ou mesmo das mulheres vaidosas, que, seguindo as regras da sociedade, gostariam de aparecer no pôster da borracharia ou nos anúncios das TVs.


Muito se tem falado que isso é resultado de um processo de liberalização da sociedade, o que não deixa de ser verdade. No entanto, ao vermos a presença da nudez masculina em nossa sociedade, não é difícil concluir que se trata, na verdade, de um processo de liberalização de uma sociedade machista e patriarcal. A nudez masculina ainda é reservada, guardada como um bem, nitidamente é mais agressora para os hábitos e costumes que a nudez da mulher. Ora, por que?


Freud já dizia, bem antes deste processo de liberalização, que o pênis era motivo de orgulho para o homem. A mulher, castrada, sentia uma eterna inveja do homem, pois, por natureza, não teria o tão importante pênis. Ao longo dos anos esta conclusão foi constantemente debatida e contestada, inclusive por Solanas, que, invertendo a lógica do psicólogo, afirma que é o homem que é um ser incompleto, logo, é ele quem sentiria inveja da vagina. Buscando a biologia, alguns vão afirmar que o pênis é parte de um aparelho reprodutor ultrapassado, que precisa ser externo em função de fatores como a temperatura corporal, uma concepção não muito feliz da natureza que os machos herdariam. No entanto, independente destes interessantes pontos de vistas discordantes, talvez realmente Freud tenha razão, errando apenas a natureza da inveja.


O pênis não é apenas um símbolo da virilidade e da força masculina. Ele é um símbolo da virilidade e da força masculina dentro dos valores aceitos e reconhecidos pela sociedade machista patriarcal. Esta diferença faz toda importância, pois, simbolicamente, não significa que as “mulheres invejosas” queriam ser homens, mas sim que as mulheres, socialmente submissas, queriam alcançar as vantagens que a virilidade e a força masculina eram capazes de alcançar.


Esta contextualização da teoria freudiana ajuda a compreender a questão, mas, de qualquer forma, o pênis é visto como um símbolo do orgulho do homem, obviamente, símbolo do orgulho machista. Toda mulher que deseja “educar” o seu homem, fazendo-o abandonar certos valores machistas e assumir o controle da relação sabe que é fundamental quebrar este orgulho, relativizando-o para o que de fato ele é: parte de um contexto histórico que não é algo natural, mas construído em relações de poder que trazem conseqüências e que pode ser diferente. Nesta tarefa, muitas afirmam que “ridicularizar” e “ironizar” o pênis é uma medida bastante eficiente, pois, como todo o símbolo, tem o poder de provocar a reflexão sobre um todo muito mais abrangente.


Sendo um símbolo da sociedade machista, não é difícil perceber que o pênis resiste a tal liberalização, escondido para não “agredir” a boa sociedade. Nestes tempos em que o machismo desmorona, é muito natural que, além de espaço na sociedade, as mulheres busquem a satisfação de seus desejos eróticos, que, naturalmente, passa por uma maior exposição da nudez masculina. É verdade que as mulheres possuem uma necessidade erótica bem diferente dos homens, não tão exacerbada e pornográfica, com certeza mais romântica e artística. Nos últimos anos, algumas revistas voltadas para o público Gay passaram a explorar a nudez masculina. Muitas meninas, na ausência de outras publicações, passaram a comprar estas revistas. No entanto, apesar de matarem suas curiosidades sobre o corpo masculino, a estética gay é também é feita para homens, não compreendendo, e não tendo o interesse de compreender, a alma feminina. Nos EUA, país em que a ascensão da mulher na sociedade está bem mais avançada, a revista Playgirl, direcionando para as mulheres, faz enorme sucesso, revelando para as jovens meninas tudo o que alguns dos mais belos homens da sociedade norte-americana até então escondiam, mas que elas sempre quiseram saber como era.


A mulher é naturalmente curiosa, mas, além disso, a nudez masculina é bem mais reveladora que a feminina. Quando uma mulher revela o seu corpo nu, a beleza está nas curvas, que são vistas por completa, com destaque para os seios e para a cintura. A vagina está escondida pelos pubianos, mas é tudo o que o menino pode admirar e imaginar. Quando o homem revela a sua nudez, a beleza está no corpo musculoso visto por completo, com destaque para a coxa, os braços, o peitoral e o trapézio. Tudo se integra para formar o belo masculino que desperta o interesse das mulheres. No entanto, no caso da nudez masculina, nada pode ser escondido, pois o órgão sexual é externo. Ao contrário dos meninos, a menina vê realmente o homem nu, analisando, por exemplo, o tamanho do pênis. As maiores intimidades masculinas são inevitavelmente reveladas para elas, sobretudo se alguma foto contemplar o órgão ereto. Umas séries de avaliações podem ser feitas pela menina, ao contrário dos meninos, que praticamente não vêem nada.


Esta exposição por completo do homem nu também se torna um problema, nos dias de hoje, quando se torna natural para a mulher estabelecer comparação. Ora, há poucas décadas, os homens se exibiam para as mulheres que se escondiam. Hoje, ao se exibir, ele pode receber como resposta um sorriso irônico que será facilmente interpretado. A preocupação masculina com o corpo, para atender os interesses das mulheres, também é uma das marcas do nosso tempo, evidenciando a importância de se apresentar para as muheres, o é também novo na história. O homem de hoje é um ser em constante dúvida de si mesmo e, muitas vezes, de sua própria nudez diante de uma mulher. Com a ascensão das mulheres na sociedade, a nudez masculina, se ainda não se banalizou, certamente ganhou bem mais espaços. Os chamados “clubes de mulheres”, que há mais de uma década faz sucesso, é uma possibilidade para as mulheres, além de apreciarem homens nus, realizarem algumas fantasias eróticas em companhia de suas amigas, esquecendo por algumas horas namorados, noivos ou maridos. Em outras palavras, assim como as mulheres, os homens também estão se tornando um objeto que vale pela beleza de seus corpos, podendo lucrar com ele.


É com este ponto que fechamos este texto. Em uma realidade em que a mulher, inevitavelmente, se tornará à maioria do mercado de trabalho e terá poder aquisitivo mais elevado em poucos anos, é natural que a exposição dos corpos, antes voltada para os homens, priorize elas. Seguindo os padrões estéticos valorizados pelas mulheres, a exposição do corpo masculino no futuro é um fato inevitável, sendo, inclusive, aproveitado pelos homens em proporções muito maiores do que hoje, em função das dificuldades de se conseguir emprego, em sua maioria ocupada pelas mulheres. Em qualquer sociedade, quem tem o dinheiro dita as regras e, embalado pelo subemprego dos homens sem instrução, o corpo masculino se tornará objeto de consumo. De qualquer forma, mesmo que a transformação não tenha se completado, ver o homem nu é um direito das mulheres. A beleza nunca agride.